As
Pedagogias do “Aprender a Aprender” e Algumas Ilusões da Assim Chamada
Sociedade do Conhecimento[1]
Newton Duarte[2]
Iniciarei
esta apresentação defendendo a tese de que a assim chamada Pedagogia das
Competências é integrante de uma ampla corrente educacional contemporânea, a
qual eu chamarei de Pedagogias do “Aprender a Aprender”. Já há algum tempo
venho desenvolvendo um estudo acerca dessas pedagogias, por meio de uma
pesquisa de cunho teórico-bibliográfico que realizo com apoio do CNPq, pesquisa
essa intitulada O Construtivismo: suas
muitas faces, suas filiações e suas interfaces com outros modismos.
Philippe
Perrenoud, em seu livro Construir as
Competências Desde a Escola, afirma que “a abordagem por competências
junta-se às exigências da focalização sobre o aluno, da pedagogia diferenciada
e dos métodos ativos” (Perrenoud, 1999: 53). Convém lembrar que a expressão
métodos ativos é utilizada como referência às idéias pedagógicas que tiveram
sua origem no movimento escolanovista. Alguns parágrafos mais adiante, nesse
mesmo livro, Perrenoud afirma que “a
formação de competências exige uma pequena ‘revolução cultural’ para passar de
uma lógica do ensino para uma lógica do treinamento (coaching), baseada em um
postulado relativamente simples: constroem-se as competências exercitando-se em
situações complexas” (Perrenoud, 1999: 54). Esse aprender a aprender é,
portanto, também um aprender fazendo, isto é, learning by doing, na clássica
formulação da pedagogia de John Dewey. Perrenoud expressou-se da seguinte maneira
na entrevista que deu à Revista Nova Escola no ano passado:
Para desenvolver competências é preciso, antes de tudo, trabalhar por
problemas e projetos, propor tarefas complexas e desafios que incitem os alunos
a mobilizar seus conhecimentos e, em certa medida, completá-los. Isso pressupõe
uma pedagogia ativa, cooperativa, aberta para a cidade ou para o bairro, seja
na zona urbana ou rural. Os professores devem parar de pensar que dar
aulas é o cerne da profissão. Ensinar,
hoje, deveria consistir em conceber, encaixar e regular situações de
aprendizagem seguindo os princípios pedagógicos ativos e construtivistas. Para
os professores adeptos de uma visão construtivista e interacionista de
aprendizagem trabalhar no desenvolvimento de competências não é uma ruptura.
(Perrenoud, 2000)
Cito aqui
essas passagens de Perrenoud para mostrar que não se trata de uma rotulação
apressada de minha parte, a inclusão da Pedagogia das Competências no grupo das
Pedagogias do Aprender a Aprender, juntamente com o Construtivismo, a Escola
Nova, os estudos na linha do “Professor Reflexivo” etc. Ao investigar em minha
pesquisa as interfaces entre o Construtivismo e outros modismos educacionais,
tenho chegado ao estabelecimento de elos de ligação entre ideários pedagógicos
normalmente vistos por boa parte dos educadores brasileiros como ideários
pertencentes a universos distintos. Mas essa é uma questão para outro momento.
Tendo em vista os objetivos desta apresentação, passarei diretamente ao seu
tema central, isto é, as relações entre as Pedagogias do “Aprender a Aprender”
e algumas ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento.
Mas para
estabelecer relações entre as ilusões da sociedade do conhecimento e as
pedagogias do “aprender a aprender” é necessário que primeiramente eu analise,
ainda que de forma breve, qual a essência desse tão proclamado lema
educacional. Para isso retomarei aqui algumas das considerações que teci sobre
esse tema em meu livro Vigotski e o
“Aprender a Aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da
teoria vigotskiana (Duarte, 2000). Nesse
livro analisei a presença do lema “Aprender a Aprender” em dois documentos da
área educacional: o primeiro, relativo à educação em âmbito mundial, é o
relatório da comissão internacional da UNESCO, conhecido como Relatório Jacques
Delors, presidente da comissão (Delors, 1998); o segundo, o capítulo
“Princípios e Fundamentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais”, do volume I,
“Introdução”, dos PCN das séries iniciais do Ensino Fundamental (BRASIL, 1997,
p. 33-55). Nesta apresentação não poderei, entretanto, deter-me nos detalhes
dessa análise. Focalizarei apenas
quatro posicionamentos valorativos contidos no lema “aprender a aprender”.
O
primeiro posicionamento valorativo que define o lema “aprender a aprender” pode
ser assim formulado: são mais desejáveis as aprendizagens que o indivíduo
realiza por si mesmo, nas quais está ausente a transmissão, por outros
indivíduos, de conhecimentos e experiências. O construtivista espanhol César
Coll é um dos autores que explicitam esse princípio. Esse autor chega mesmo a
apresentar o “aprender a aprender” como a finalidade última da educação numa
perspectiva construtivista:
Numa perspectiva construtivista, a finalidade última da intervenção
pedagógica é contribuir para que o aluno desenvolva a capacidade de realizar
aprendizagens significativas por si mesmo numa ampla gama de situações e
circunstâncias, que o aluno “aprenda a aprender”. (COLL, 1994:136)
Nessa perspectiva, aprender sozinho
contribuiria para o aumento da autonomia do indivíduo, enquanto que aprender
como resultado de um processo de transmissão por outra pessoa seria algo que
não produziria a autonomia e, ao contrário, muitas vezes até seria um obstáculo
para a mesma.
Não discordo da afirmação de que a educação escolar deva
desenvolver no indivíduo a capacidade e a iniciativa de buscar por si mesmo
novos conhecimentos, a autonomia intelectual, a liberdade de pensamento e de
expressão. Mas o que estou aqui procurando analisar é outra coisa: trata-se do
fato de que as pedagogias do “aprender a aprender” estabelecem uma hierarquia
valorativa na qual aprender sozinho situa-se num nível mais elevado do que a
aprendizagem resultante da transmissão de conhecimentos por alguém. Ao
contrário desse princípio valorativo entendo ser possível postular uma educação
que fomente a autonomia intelectual e moral através justamente da transmissão
das formas mais elevadas e desenvolvidas do conhecimento socialmente existente.
O segundo posicionamento valorativo contido no lema
“aprender a aprender” pode ser assim formulado: é mais importante o aluno
desenvolver um método de aquisição, elaboração, descoberta, construção de
conhecimentos, do que esse aluno aprender os conhecimentos que foram
descobertos e elaborados por outras pessoas. É mais importante adquirir o
método científico do que o conhecimento científico já existente. Esse segundo
posicionamento valorativo não pode ser separado do primeiro, pois o indivíduo
só poderia adquirir o método de investigação, só poderia “aprender a aprender”
através de uma atividade autônoma. Piaget, numa conferência proferida em 1947,
intitulada “O Desenvolvimento Moral do Adolescente em Dois Tipos de Sociedade:
Sociedade Primitiva e Sociedade ‘Moderna’”, defendeu essa idéia ao contrapor a
transmissão de conhecimentos existentes ao oferecimento de condições que
permitam ao aluno construir suas próprias verdades:
O problema da educação internacional é, portanto, essencialmente o de
direcionar o adolescente não para soluções prontas, mas para um método que lhe
permita construí-las por conta própria. A esse respeito, existem dois
princípios fundamentais e correlacionados dos quais toda educação inspirada
pela psicologia não poderia se afastar: 1) que as únicas verdades reais são aquelas
construídas livremente e não aquelas recebidas de fora; 2) que o bem moral é
essencialmente autônomo e não poderia ser prescrito. Desse duplo ponto de
vista, a educação internacional é solidária de toda a educação. Não apenas a
compreensão entre os povos que se vê prejudicada pelo ensino de mentiras
históricas ou de mentiras sociais. Também a formação humana dos indivíduos é
prejudicada quando verdades, que poderiam descobrir sozinhos, lhes são impostas
de fora, mesmo que sejam evidentes ou matemáticas: nós os privamos então de
um método de pesquisa que lhes teria sido bem mais útil para a vida que o
conhecimento correspondente!
(Piaget, 1998:166, grifo meu)
São portanto, duas idéias intimamente associadas: 1) aquilo
que o indivíduo aprende por si mesmo é superior, em termos educativos e
sociais, àquilo que ele aprende através da transmissão por outras pessoas e 2)
o método de construção do conhecimento é mais importante do que o conhecimento
já produzido socialmente.
O terceiro posicionamento valorativo contido no lema
“aprender a aprender” seria o de que a atividade do aluno, para ser
verdadeiramente educativa, deve ser impulsionada e dirigida pelos interesses e
necessidades da própria criança. A diferença entre esse terceiro posicionamento
valorativo e os dois primeiros consiste em ressaltar que além do aluno buscar
por si mesmo o conhecimento e nesse processo construir seu método de conhecer,
é preciso também que o motor desse processo seja uma necessidade inerente à
própria atividade do aluno, ou seja, é preciso que a educação esteja inserida
de maneira funcional na atividade da criança, na linha da concepção de educação
funcional de Claparède (1954).
O quarto posicionamento valorativo contido no lema “aprender
a aprender” é o de que a educação deve preparar os indivíduos para acompanharem
a sociedade em acelerado processo de mudança, ou seja, enquanto a educação
tradicional seria resultante de sociedades estáticas, nas quais a transmissão
dos conhecimentos e tradições produzidos pelas gerações passadas era suficiente
para assegurar a formação das novas gerações, a nova educação deve pautar-se no
fato de que vivemos em uma sociedade dinâmica, na qual as transformações em
ritmo acelerado tornam os conhecimentos cada vez mais provisórios, pois um conhecimento
que hoje é tido como verdadeiro pode ser superado em poucos anos ou mesmo em
alguns meses. O indivíduo que não aprender a se atualizar estará condenado ao
eterno anacronismo, à eterna defasagem de seus conhecimentos. Uma versão
contemporânea desse posicionamento aparece no livro do autor português Vitor da
Fonseca, intitulado “Aprender a Aprender: a educabilidade cognitiva”. Ao
abordar as mudanças na economia global e suas implicações para uma formação de
recursos humanos que esteja à altura dos desafios do século XXI, esse autor
afirma o seguinte :
A miopia gerencial e arrogante e a resistência à mudança, que paira em
grande parte no sistema produtivo, devem dar lugar à aprendizagem, ao
conhecimento, ao pensar, ao refletir e ao resolver novos desafios da atividade
dinâmica que caracteriza a economia global dos tempos modernos. Tal
mundialização da economia só se identifica com uma gestão do imprevisível e da
excelência, gestão essa contra a rotina, contra a mera redução de custos e
contra a simples manutenção. Em vez de se situarem numa perspectiva de trabalho
seguro e estático, durante toda a vida, os empresários e os trabalhadores devem
cada vez mais investir no desenvolvimento do seu potencial de adaptabilidade e
de empregabilidade, o que é algo substancialmente diferente do que se tem
praticado. O êxito do empresário e do trabalhador no século XXI terá muito que
ver com a maximização das suas competências cognitivas. Cada um deles produzirá
mais na razão direta de suas maior capacidade de aprender a aprender, na medida
em que o que o empresário e o trabalhador conhecem e fazem hoje não é sinônimo
de sucesso no futuro. (...) A capacidade de adaptação e de aprender a aprender e a reaprender, tão
necessária para milhares de trabalhadores que terão de ser reconvertidos em vez
de despedidos, a flexibilidade e modificabilidade para novos postos de trabalho
vão surgir cada vez com mais veemência. Com a redução dos trabalhadores
agrícolas e dos operários industriais, os postos de emprego que restam vão ser mais
disputados, e tais postos de trabalho terão que ser conquistados pelos
trabalhadores preparados e diferenciados em termos cognitivos. (Fonseca, 1998:
307)
O
autor não deixa qualquer dúvida nessa passagem quanto ao fato do “aprender a
aprender” ser apresentado como uma arma na competição por postos de trabalho,
na luta contra o desemprego. O “aprender a aprender” aparece assim na sua forma
mais crua, mostra assim seu verdadeiro núcleo fundamental: trata-se de um lema
que sintetiza uma concepção educacional voltada para a formação da capacidade
adaptativa dos indivíduos. Não é demais aqui recorrer novamente àquela
mencionada entrevista dada por Perrenoud, na qual a certa altura ele afirma o
seguinte:
A descrição de competências deve partir da análise de situações, da
ação, e disso derivar conhecimentos. Há uma tendência em ir rápido demais em
todos os países que se lançam na elaboração de programas sem dedicar tempo em
observar as práticas sociais, identificando situações na quais as pessoas são e
serão verdadeiramente confrontadas. O que sabemos verdadeiramente das
competências que têm necessidade, no dia-a-dia, um desempregado, um imigrante,
um portador de deficiência, uma mãe solteira, um dissidente, um jovem da
periferia? (Perrenoud, 2000)
O
caráter adaptativo dessa pedagogia está bem evidente. Trata-se de preparar aos
indivíduos formando as competências necessárias à condição de desempregado,
deficiente, mãe solteira etc. Aos educadores caberia conhecer a realidade
social não para fazer a crítica a essa realidade e construir uma educação
comprometida com as lutas por uma transformação social radical, mas sim para
saber melhor quais competências a realidade social está exigindo dos
indivíduos. Quando educadores e psicólogos apresentam o “aprender a aprender”
como síntese de uma educação destinada a formar indivíduos criativos, é
importante atentar para um detalhe fundamental: essa criatividade não deve ser
confundida com busca de transformações radicais na realidade social, busca de
superação radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade em termos de
capacidade de encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação aos
ditames da sociedade capitalista.
Vocês
notaram que falei em sociedade capitalista e não em sociedade do conhecimento.
Neste ponto passo a tratar das relações entre o “aprender a aprender” e algumas
ilusões da assim chamada sociedade do conhecimento. O que seria essa tal
sociedade do conhecimento? Seria uma sociedade pós-capitalista? Seria uma fase
da sociedade capitalista? Nem sempre perguntas dessa natureza têm sido
respondidas nem mesmo formuladas por aqueles que muito cultivam a idéia de que
estamos vivendo na sociedade do conhecimento. Pois bem, de minha parte quero
deixar bem claro que de forma alguma compartilho da idéia de que a sociedade na
qual vivemos nos dias atuais tenha deixado de ser, essencialmente, uma
sociedade capitalista. Sequer cogitarei a possibilidade de fazer qualquer
concessão à atitude epistemológica idealista para a qual a denominação que
empreguemos para caracterizar nossa sociedade dependa do “olhar” pelo qual
focamos essa sociedade: se for o “olhar econômico” então podemos falar em
capitalismo, se for o “olhar político” devemos falar em sociedade democrática,
se for o “olhar cultural” devemos falar em sociedade pós-moderna ou sociedade
do conhecimento ou sociedade multicultural ou sei lá mais quantas outras
denominações. Essa é uma atitude idealista, subjetivista, bem a gosto do
ambiente ideológico pós-moderno.
Eu
reconheço, e não poderia deixar de faze-lo, que o capitalismo do final do
século vinte e início do século vinte e um passa por mudanças e que podemos sim
considerar que estejamos vivendo uma nova fase do capitalismo. Mas isso não
significa que a essência da sociedade capitalista tenha se alterado, isso não
significa que estejamos vivendo uma sociedade radicalmente nova, que pudesse
ser chamada de sociedade do conhecimento. A assim chamada sociedade do
conhecimento é uma ideologia produzida pelo capitalismo, é um fenômeno no campo
da reprodução ideológica do capitalismo. Assim, para falar sobre algumas
ilusões da sociedade do conhecimento é preciso primeiramente explicitar que a
sociedade do conhecimento é, por si mesma, uma ilusão que cumpre uma
determinada função ideológica na sociedade capitalista contemporânea.
Quando
uma ilusão desempenha um papel na reprodução ideológica de uma sociedade, ela
não deve ser tratada como algo inofensivo ou de pouca importância por aqueles
que busquem a superação dessa sociedade. Ao contrário, é preciso compreender
qual o papel desempenhado por uma ilusão na reprodução ideológica de uma
formação societária específica pois isso nos ajudará a criarmos formas de
intervenção coletiva e organizada na lógica objetiva dessa formação societária.
E
qual seria a função ideológica desempenhada pela crença na assim chamada
sociedade do conhecimento? No meu entender seria justamente a de enfraquecer as
críticas radicais ao capitalismo e enfraquecer a luta por uma revolução que
leve a uma superação radical do capitalismo, gerando a crença de que essa luta
teria sido superada pela preocupação com outras questões “mais atuais” tais
como a questão da ética na política e na vida cotidiana, pela defesa dos
direitos do cidadão e do consumidor, pela consciência ecológica, pelo respeito
às diferenças sexuais, étnicas ou de qualquer outra natureza.
Para não me
alongar passarei diretamente à apresentação de cinco ilusões da assim chamada
sociedade do conhecimento. Elas serão aqui apenas enunciadas e anunciadas. Seu
detalhamento foge aos limites desta apresentação.
Primeira Ilusão:
O
conhecimento nunca esteve tão acessível como hoje, isto é, vivemos numa
sociedade na qual o acesso ao conhecimento foi amplamente democratizado pelos
meios de comunicação, pela informática, pela Internet etc.
Segunda Ilusão:
A
capacidade para lidar de forma criativa com situações singulares no cotidiano
ou, como diria Perrenoud, a habilidade de mobilizar conhecimentos, é muito mais
importante que a aquisição de conhecimentos teóricos, especialmente nos dias de
hoje, quando já estariam superadas as teorias pautadas em metanarrativas, isto
é, estariam superadas as tentativas de elaboração de grandes sínteses teóricas
sobre a história, a sociedade e o ser humano.
Terceira Ilusão:
O
conhecimento não é a apropriação da realidade pelo pensamento mas sim uma
construção subjetiva resultante de processos semióticos intersubjetivos nos
quais ocorre uma negociação de significados. O que confere validade ao
conhecimento são os contratos culturais, isto é, o conhecimento é uma convenção
cultural.
Quarta Ilusão:
Os
conhecimentos têm todos o mesmo valor, não havendo entre eles hierarquia quanto
à sua qualidade ou quanto ao seu poder explicativo da realidade natural e
social.
Quinta Ilusão:
O
apelo à consciência dos indivíduos, seja através das palavras, seja através dos
bons exemplos dados por outros indivíduos ou por comunidades, constitue o
caminho para a superação dos grandes problemas da humanidade. Essa ilusão
contém uma outra, qual seja, a de que esses grandes problemas existem como
conseqüência de determinadas mentalidades. As concepções idealistas da educação
apóiam-se todas nessa ilusão. É nessa direção que são tão difundidas atualmente
pela mídia certas experiências educativas tidas como aquelas que estariam
criando um futuro melhor por meio da preparação das novas gerações. Assim,
acabar com as guerras seria algo possível através de experiências educativas
que cultivem a tolerância entre crianças e jovens. A guerra é vista como
conseqüência de processos primariamente subjetivos ou, no máximo
inter-subjetivos. Nessa direção, a guerra entre EUA e Afeganistão, por exemplo,
é vista como conseqüência do despreparo das pessoas para conviverem com as
diferenças culturais, como conseqüência da intolerância, do fanatismo
religioso. Deixa-se de lado toda uma complexa realidade política e econômica
gerada pelo imperialismo norte-americano e multiplicam-se os apelos românticos
ao cultivo do respeito às diferenças culturais.
Para
concluir, esclareço que tenho consciência das limitações desta apresentação.
Afirmar que as idéias acima enunciadas constituem-se em ilusões da sociedade do
conhecimento gera a necessidade de apresentar uma análise detalhada, bem
fundamentada em teorias e em dados empíricos, de maneira a justificar tal
afirmação. Não é difícil perceber que isso exigiria bem mais do que uma tarde
de debates por mais rica que ela fosse. Entretanto, mesmo tendo consciência
desse fato, optei por ao menos iniciar o debate usando o recurso da provocação.
Essas idéias, acima apresentadas na forma de seis ilusões, têm sido tão
amplamente aceitas, têm exercido um tal fascínio sobre grande parcela dos
intelectuais dos dias de hoje, que o simples fato de questionar a veracidade
das mesmas talvez já produza um efeito positivo, qual seja, o de fazer com que
a adesão a essas idéias ou a crítica às mesmas deixe o terreno das emoções que
sustentam o fascínio e a sedução e passem ao terreno da análise propriamente
intelectual.
É preciso,
porém, estar atento para não cair na armadilha idealista que consiste em
acreditar que o combate às ilusões pode, por si mesmo, transformar a realidade
que produz essas ilusões. Como escreveu Marx: “conclamar as pessoas a acabarem
com as ilusões acerca de uma situação é conclamá-las a acabarem com uma
situação que precisa de ilusões”.
Referências bibliográficas:
Brasil
(1997) – Parâmetros Curriculares
Nacionais: Introdução. Brasília: MEC/SEF.
Claparède,
E. (1954) – A Educação Funcional.
São Paulo: Companhia Editora Nacional,
4ª ed.
Coll,
C. S. (1984) – Aprendizagem Escolar e
Construção do Conhecimento. Porto Alegre: Artes Médicas.
Delors,
J. (org.) (1998) – Educação: Um Tesouro
a Descobrir. São Paulo: Cortez: Brasília, DF: MEC: UNESCO.
Duarte,
N. (2000) – Vigotski e o “Aprender a
Aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria
vigotskiana. Campinas: Autores Associados.
Fonseca,
V. (1998) – Aprender a Aprender: a
educabilidade cognitiva. Porto Alegre: Artes Médicas.
Perrenoud,
P. (1999)– Construir as Competências
Desde a Escola. Porto Alegre: Artes Médicas.
_________
(2000)- A Arte de construir competências,
Revista Nova Escola, São Paulo,
Abril Cultural, setembro de 2000.
Piaget,
J. (1998) - Sobre a Pedagogia (textos
inéditos). São Paulo: Casa do Psicólogo.
[1]
Trabalho apresentado na Sessão Especial intitulada Habilidades e Competências: a Educação e as Ilusões da Sociedade do
Conhecimento, durante a XXIV Reunião Anual da ANPED, 8 a 11 de outubro de
2001, Caxambu, M.G.
[2]
Livre docente em Psicologia da Educação, UNESP, campus de Araraquara. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Educação Escolar no período de junho/1999 a maio/2001, reeleito para o período
de junho/2001 a maio/2003. E-mail: newton.duarte@uol.com.br
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