Aprender a reaprender: A Educabilidade Cognitiva do Século XXI


 APRENDER A REAPRENDER: A EDUCABILIDADE  COGNITIVA DO SÉCULO XXI


Vitor da Fonseca
Doutor em motricidade humana na especialidade de educação especial e reabilitação / Universidade Técnica de Lisboa



1.-INTRODUÇÃO:  ALGUMAS  IMPLICAÇÕES  DAS MUDANÇAS   DA ECONOMIA GLOBAL NA EDUCAÇÃO

        Analisar as megatendências e as mudanças da economia global nos próximos 10 anos, avançadas por eminentes futuristas económicos como TOFFLER 1990, NAISBITT 1990, DRUCKER 1994, PETERS 1992 e DAVIDOW & MALONE 1992, é em certa medida, consubstanciar que elas vão ser radicais, abruptas, vertiginosas, e que a sua  velocidade e  acelaração vai atingir todos os níveis da sociedade, e essencialmente, os sistemas de produção e de comunicação, e obviamente, de ensino e de formação profissional.
        De acordo com aqueles analistas económicos, as mudanças e as novas ondas do futuro, ou seja em síntese histórica, a transformação da primeira onda que correspondeu à revolução agrícola, à segunda onda, que correspondeu  à revolução industrial, e finalmente à terceira e actual onda, a que corresponde a revolução computacional (TOFFLER 1995), não só atingirão o campo dos negócios, como inevitavelmente, o campo dos recursos humanos. Em todos os campos, os paradigmas emergentes, situarão o enfoque no conhecimento, na criatividade e na inovação, muito mais do que nos produtos. No futuro século XXI, a visão do poder será transformada naqueles vectores, o que pressupõe novos desafios para os empresários e para os trabalhadores (uma díade a que nos tentaremos referir sistematicamente ao longo do artigo) pelo lado da economia, e para os professores e  estudantes (outra díade inseparável) pelo lado da educação, visto ambos terem um denominador comum, uma vez que são os verdadeiros geradores actuais e prospectivos da riqueza de uma sociedade.
        A economia dita tradicional e centralizada, vai ser abalada (o verdadeiro choque do futuro) por uma inevitável provolução tecnológica, cada vez mais centrada na capacidade de aprender a aprender e de produzir inovação e criatividade. A propriedade intelectual e a educabilidade cognitiva das organizações vai igualar, senão superar no futuro, a produção de bens de consumo.
        Os trabalhadores ou operários, e por empatia funcional e institucional, os estudantes ou formandos, da era da informação, não serão passivos ou dependentes, nem submissos nem silenciosos aos seus supervisores, nem muito menos dependentes de manuais de produção, pelo contrário, eles terão de ser talentosos e qualificados e cada vez mais responsáveis pelo seu posto de trabalho, não só para resolver novos problemas, como para decidir sobre quais as soluções mais adequadas às situações de mudança que inevitavelmente lhes surgirão.
        Todos os trabalhadores terão de assumir o seu futuro, através duma postura de iniciativa para implementar novas ideias, e terão de adaptar-se às novas condições de produtividade, estas cada vez mais marcadas pela qualidade, pela modernidade e pela competitividade.  A crise da sociedade industrial, não resultará apenas da proliferação de despedimentos em massa de operários ditos manuais, nem do aumento de falências. A escala de mudança a pôr em marcha terá de jogar necessariamente com o enriquecimento cognitivo dos recursos humanos das empresas e das organizações para se adaptarem aos novos sistemas computacionais de informação e de produção.
A confusão, a frustração e o desespero,  que caracteriza a força de trabalho, ou seja, o conjunto dinâmico dos empresários e dos trabalhadores e suas concomitantes interacções, têm que se confrontar com os novos desafios da economia global. 
        Os novos desafios da competitividade, da modernidade e da qualidade da economia supersimbólica do século XXI, quer para os empresários e suas corporações, quer para os trabalhadores e suas organizações sindicais, e por simpatia funcional, para os estudantes e professores e respectivas escolas, bem como, para os funcionários  administrativos e seus governos, está em assumir a mudança, está em prevê-la e em planificá-la.
        A preparação para este super-desafio, vai ser radicalmente diferente, a velocidade com que ele está ocorrendo, a tal competição baseada no tempo em que cada intervalo de tempo vale mais do que o que o precedeu, não se pode compatibilizar com soluções estáticas e monótonas.
        A era da informação, e concomitantemente da aprendizagem acelarada e personalizada, vai transformar os recursos humanos do futuro, vai colocar  um repensamento e uma reestruturação do trabalho e da sua formação, onde a melhoria da qualidade e da qualificação  urgem, onde ela só se pode atingir  com novos programas   de  desenvolvimento do potencial cognitivo.
        A miopia gerencial e  arrogante  e a resistência à mudança,  que paira em grande parte no sistema produtivo, deve dar lugar à aprendizagem, ao conhecimento, ao pensar, ao reflectir e ao resolver  novos desafios da actividade dinâmica que caracteriza a economia global dos tempos modernos. Tal mundialização da economia só se identifica com uma gestão do imprevisível e da excelência, gestão essa contra a rotina, contra a mera redução de custos e contra a simples manutenção.
        Em vez de se situarem numa perspectiva de trabalho seguro e estático, durante toda a vida, os empresários e os trabalhadores devem cada vez mais, investir no  desenvolvimento do seu potencial de adaptabilidade e de empregabilidade, o que  é algo substancialmente diferente do que se tem praticado. 
        O êxito do empresário e do trabalhador no século XXI, terá muito a ver com a maximização das suas competências cognitivas. Cada um deles produzirá mais na razão directa da sua maior capacidade de aprender a aprender, na medida em que o que o empresário e o trabalhador conhecem e fazem hoje, não são sinónimo de sucesso no futuro.
        O investimento que se fizer no empresário e no trabalhador, determinará o êxito no sua empresa, e por inerência, o êxito do seu emprego onde estiverem inseridos.
        As mudanças que ocorrerão nos locais de emprego, serão de uma magnitude tal, hoje imprevisível, que sem uma mudança estrutural na maneira de pensar, agir e comunicar, não vai ser possível a sobrevivência. Aprender mais, vai ser a condição chave para ganhar mais, não necessariamente produzir mais, mas produzir melhor. As mudanças tão acelaradas que se avizinham são imparáveis e inevitáveis.
        A capacidade de adaptação e de aprender a aprender e a reaprender, tão necessária para milhares de trabalhadores que terão de ser reconvertidos em vez de despedidos, a flexibilidade e a modificabilidade para novos postos de trabalho, vai surgir cada vez com mais veemência.
        Com a redução dos trabalhadores agrícolas e dos operários industriais, os postos de emprego que restam, vão ser mais disputados, e tais postos de trabalho, serão conquistados pelos trabalhadores melhor preparados e diferenciados em termos cognitivos.
        Da mesma forma, as empresas mais adaptadas à mudança, serão as que  sobreviverão, para tal terão de se transformar em centros de excelência de desenvolvimento de recursos humanos, verdadeiras mecas de cognição e centros laboratoriais de aprender  a  aprender e de facilitação comunicativa tecnológicamente suportada.
        A época de conceber os operários como privados culturalmente acabou, eles não se poderão adaptar aos novos desafios da economia global se se mantiverem passivos, repetitivos, acríticos e desqualificados, e se os seus processos e sistemas de produção não se modificarem e modernizarem em equipamento e eficácia organizacional.
        DEMING  1982, célebre teórico dos sistemas produtivos e da qualidade empresarial, evoca que no século XXI, nenhuma organização, empresa, hospital, ou escola, etc., pode continuar insensível à presente era de mudança radical, pois todas elas serão atravessadas por novas formas de pensar e de agir (de manufacturação), e para que tais formas se operacionalizem, há que investir, segundo o mesmo autor, em novos programas de enriquecimento cognitivo na formação contínua, ou seja, em novas formas de abordagem sobre os "sistemas" de formação e de aprendizagem.
        A todos os níveis da sociedade, vão ser exigidas radicais restruturações  organizativas muito complexas e desafiantes. Todas as empresas ou instituições, para se manterem competitivas, terão de fazer um grande esforço para enriquecer os recursos humanos. Só nesta base, poderão responder com eficácia e adaptabilidade aos superdesafios do século XXI.
        As Reformas Educativas (RE), (FONSECA 1995a, 2005, 2007) sejam elas do sistema de ensino em geral (e obviamente do ensino especial), do sistema de formação e qualificação profissional ou doutros sistemas de reconversão ou (re) habilitação,  terão de enfrentar estes novos desafios, o que implica uma radical reforma de mentalidades da parte dos responsáveis políticos e dos formadores em lato senso.
        A separação habitual da economia e da educação, à luz destes novos desafios, não se pode perpectuar, dado que está em causa o enriquecimento cognitivo dos seus principais protagonistas.
        Porque se tornará importante investir na educabilidade cognitiva dos trabalhadores?
        Quais as aquisições cognitivas básicas (ACB) dos operários para responderem às novas situações dos seus empregos?
        A filosofia de formação centrada apenas na mão de obra será suficiente? Valerá a pena investir também na cognição de obra?
        Serão importantes os programas cognitivos para satisfazerem os novos desafios da economia global?
        Os operários adultos com baixo rendimento cognitivo ou com dificuldades de aprendizagem estarão irremediavel-mente condenados? Como podem ser integrados em novos processos de produção?
        Qual a solução?  o despedimento  ou o redesenvolvimento das suas capacidades cognitivas? Como preparar os trabalhadores para uma permanente e perpétua mudança?
        Como promover a sua adaptabilidade para utilizar as tecnologias correntes e como deverão ser preparados para  assimilarem as novas tecnologias para se adaptarem rapidamente às novas exigências dos empregos futuros?
        Entidades mundialmente prestigia-das, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e inúmeras Confederações  e Organizações Sindicais Internacionais, perspectivam para o século XXI, o seguinte perfil de aquisições do trabalhador do futuro.

PERFIL DE AQUISIÇÕES CRÍTICAS DE EMPREGABILIDADE


I. - AQUISIÇÕES ACADÉMICAS

        a) comunicação: compreensão e expressão da língua em que decorre a actividade económia; capacidade de comunicação e de interacção; leitura, compreensão e escrita de material, de gráficos, tabelas, diagramas e quadros intrínsecos à actividade produtiva;

        b) cognição: pensamento crítico e lógico para avaliar situações, resolver problemas e tomar decisões; compreensão e resolução de problemas utilizando aquisições matemáticas e jogando com os seus resultados; aplicação eficaz de tecnologias, de instrumentos e de sistemas de informação; acesso e aplicação de conhecimentos especializados e trans-disciplinares;

        c) aprendizagem: processos, estruturas, princípios e esratégias cognitivas para aprender de forma contínua e permanente;


II. -  AQUISIÇÕES SOCIAIS

        a) atitudes e comportamentos positivos: auto-estima e confiança; honestidade, integridade e ética pessoal e profissional; atitude positiva face à aprendizagem, ao desenvolvimento e ao aperfeiçoamento contínuos; iniciativa, energia, motivação intrínseca e persistência para a realização precisa e perfeita do trabalho;

        b) responsabilidade: estabelecer prioridades e objectivos; planificar e gerir o tempo e outros recursos para atingir objectivos; atitudes de avaliação das acções tomadas e efectuadas;

        c) adaptabilidade: atitude positiva face à mudança; reconhecimento e respeito pela diversidade e pelas diferenças individuais; inovação e criatividade;




III.- TRABALHO DE EQUIPE

        a) trabalhar em grupo: compreensão e contribuição positiva para a organização e para a busca e satisfação de objectivos de trabalho; compreender e trabalhar dentro de uma cultura de grupo; planificar e tomar decisões com colegas e adoptar estratégias de suporte com os mesmos; respeito dos pensamentos e das opiniões dos outros elementos do grupo de trabalho; assumir tarefas e atingir resultados com os outros elementos do grupo; adaptar-se e sincronizar-se com os interesses do grupo; liderar o grupo quando necessário e apropriado.

        É óbvio que para atingir este perfil de aquisições, as empresas ou quaisquer outras organizações, terão de desenvolver programas cognitivos, formativos e de qualificação para irem ao encontro dos novos desafios e das novas necessidades impostas pela economia global.
        A futura educação e qualificação, de jovens ou de adultos, não pode continuar a ignorar a educabilidade cognitiva. A  urgência da revolução computacional e da reengenharia é por demais evidente, visando uma nova cultura profissional. A adocracia (de adoc, que significa uma formação sem pré-requisitos académicos ou exames de admissão) bem como, a criação de bolsas de educabilidade cognitiva e de auto-aprendizagem nos empregos, é mais necessária que a tradicional burocracia dos exames psicotécnicos e das formações profissionais repetitivas e obsoletas.
        Os novos desafios da Educação e Formação Profissional, e o  combate ao Analfabetismo e à Iliteracidade, terão de ser equacionados com programas  cognitivos, que não ensinam um saber ou uma competência profissional, mas que, em contrapartida, desenvolvem os pré-requisitos para outras aprendizagens, as tais condições de modificabilidade cognitiva estrutural (FONSECA & SANTOS 1996, 2005)) que permitam desenvolver o processo que produz os produtos da actividade económica para a qual devem ser treinabilizados. Trata-se de desenvolver o processo de melhoria da manufacturação e não apenas os seus produtos finais, só assim se pode afectar a qualidade da produtividade da equipa em que qualquer  trabalhador se deve integrar.
        O número elevado de iletrados na força de trabalho pode ser reduzido substancialmente, mesmo que para tal se tenha que mobilizar um grande investimento, humano e financeiro, para desenvolver o seu potencial de empregabilidade para uma sociedade em mudança acelarada. O potencial de empregabilidade está intimamente relacionado com o surgimento de novas competências de comunicação, de interacção, de cognição e de acção. Portadores de tais competências os recursos humanos  adaptar-se-ão, com mais eficácia, à ecomomia super-simbólica e competitiva.
        Como alterar a situação? Só com programas de formação escolar básica de leitura e de escrita? Só com programas de informática e de animação cultural? Só com programas centrados em "skills"  profissionais, sem investir em aquisições cognitivas, em estratégias de pensar, agir e comunicar com mais eficácia?

        Porque não gastar os recursos financeiros para pesquisar e avaliar os programas de combate ao analfabetismo empregacional?
        É sabido que cada vez mais chegam ao trabalho jóvens sem terem concluído o ensino secundário, não dispondo de aquisições cognitivas, matemáticas ou linguísticas mínimas, cuja repercussão em termos futuros pode ser drástica em termos  económicos.
        Como vamos chegar à competitividade e à modernidade na economia global? Será a política de formação amblíope aos novos superdesafios, para não entender que tais objectivos só se podem gerar a partir do desenvolvimento cognitivo da força de trabalho (McGREGOR, 2007; BARON & STENBERG, 1997; ASHMAN & CONWAY, 1997).
        Os futuristas da economia global, lançaram já estes novos desafios para a actividade económica e para a formação dos recursos humanos.
        A urgente investigação e aplicação sobre estratégias de formação é um "must" para a formação de jovens e adultos com Baixo Rendimento Cognitivo ou privados sócio-culturalmente, as possíveis respostas as estas novas necessidades alinham-se no amplo e complexo horizonte da educabilidade cognitiva, a que nos referiremos em seguida.



2. - PROGRAMAS DE EDUCABILIDADE COGNITIVA PARA SATISFAZER AS NOVAS NECESSIDADES DA ECONOMIA  GLOBAL

        A ESCOLA ou qualquer outro Centro de Formação Profissional (CFP), sendo as verdadeiras casas da inteligência (McGREGOR, 2007; BARON & STENBERG, 1997; ASHMAN & CONWAY, 1997), devem ser os centros geradores de pensadores e os centros por excelência de desenvolvimento de Recursos Humanos (RH).
        Como centros de desenvolvimento do potencial humano, eles devem ser concebidos como os centros de treino cognitivo para a adaptação à mudança. Na sua essência a Escola e os CFP são os  locais preferenciais para ensinar a pensar, os centros privilegiados de experiências intelectuais. Eis o desafio do futuro.
        O desafio a que não podemos escapar está em transformar a Eescola e os CFP num centro de EDUCABILIDADE COGNITIVA (EC) para satisfazer estas necessidades.
        A EC é uma oportunidade única e original para adquirir as aquisições cognitivas fundamentais à sobrevivência na nossa aldeia informatizada. Não basta continuar a ensinar a ler, a escrever e a contar, é também necessário e urgente, ensinar a pensar. A Escola e os CFP devem centrar-se no excelso objectivo de melhorar a qualidade do pensamento das nossas crianças e dos nossos jóvens, futuros geradores de riqueza.
        Não se trata de enriquecer o pensamento, mas antes, as funções cognitivas para melhorar as suas qualidades de desempenho e performance.
        A EC é uma ferramenta de trabalho, uma prótese cognitiva que tende a desenvolver em cada indivíduo a ela sujeito, de forma sistemática e direccionada, operações mentais básicas, estratégias e princípios cognitivos específicos, princípios de raciocínio e de integração, elaboração, planificação e comunicação de informação.
        Como vamos aceitar em termos de  futuro, que jóvens que concluem o ensino 2º ou que frequentem cursos de formação profissional, não saibam pensar e raciocinar, nem tão pouco, revelem o mínimo de autonomia e decisão cognitiva.
        Com a actual estrutura curricular, fragmentada e inarticulada, com modelos de instrução vigentes e com os processos de avaliação segregativos tradicionais, o maior capital de uma nação que são as crianças e o jovens que frequentam a escola, está longe de se transformar. Em vez de pensadores autónomos, como será exigido pelos seus postos de trabalho do século XXI, teremos meros imitadores acríticos de informação.
        Em vez de produzir pensadores a Escola tende a produzir assimiladores, acumuladores, armazenadores  e repetido-res de informação, informação esta ainda por cima, que corre o risco de se tornar obsoleta com a mudança abrupta e acelarada em que hoje estamos mergulhados.
        A EC promove a melhoria dos processos de input, elaboração e output que caracterizam o acto mental da aprendizagem. Através do treino sistemático de funções cognitivas, melhora-se a qualidade e a quantidade de captação de dados, melhora-se a utilização dos dados disponíveis e melhora-se a comunicação das soluções dos problemas que o indivíduo enfrenta na sua vida quotidiana.

        Com a EC os esquemas mentais integrados que interagem com os novos dados, as novas formas de perceber e de elaborar informação tendem a optimizar-se, garantindo ao indivíduo uma capacidade mais disponível de aprender a aprender, aumentando o poder da sua mente e do seu potencial de adaptabilidade.
        A explosão de novos programas que respondem directamente a este tipo de necessidades está hoje na ordem do dia na maioria dos países industrializados, quer nos Estados Unidos, quer no Japão ou nos chamados Tigres da Ásia, e todos sabemos quais os seus resultados no contexto económico mundial.
        A maioria de tais programas cognitivos porém, tende a servir mais os melhores estudantes ou os trabalhadores mais qualificados. Os estudantes (ou trabalhadores) que menos precisam são os mais ajudados pelos métodos de ensino, isto é, materializam um verdadeiro paradoxo educacional e formativo, uma vez que efectivamente poucas crianças, jóvens ou adultos, beneficiam da política geral de ensino e de formação profissional. É sabido que a população escolar que corre mais riscos de repetência ou de insucesso escolar, evidenciando ou não dificuldades de aprendizagem (FONSECA 1987, 2005), são os estudantes que mais apoios necessitam e que menos são apoiadas.
        Dado o seu baixo rendimento cognitivo, tais estudantes são os que menos beneficiam ou tiram proveito das oportunidades oferecidas pela escola ou pelos centros de formação, em certa medida este panorama, põe em causa o conceito abrangente de democracia cognitva.
        Programas para Resolução de  Problemas, de Pensamento Crítico e Criativo como os de MEEKER 1969 (Estrutura do Intelecto), de DE BONO 1973 (Cort), LIPMAN 1980 (Filosofia na Sala de Aula), de WHIMBEY & LOCKHEAD 1980 (Resolução de Problemas), MARZANO & ARREDONDO 1986 (Tácticas do Pensamento),  STERNBERG 1986 e BARON & STENBERG, 1997, (Desenvolvimento da Inteligência Prática), etc., todos têm como denominador comum, o serem mais dirigidos para estudantes com melhor aproveitamento.
        Dentro  dos programas que se peocuparam com a promoção de competências cognitivas nos estudantes ou nos formandos com baixo rendimento cognitivo, destaca-se de forma relevante pela sua acessibilidade e aplicabilidade a qualquer sistema de ensino ou de formação, o Programa de Enriquecimento Instrumental - PEI - de R. FEUERSTEIN 1980, 1985,  traduzido e adaptado à lingua portuguesa por uma equipa coordenada por FONSECA 1990, 1992, 2005.
        Tal programa já devidamente aplicado a populações portuguesas, quer em jóvens adolescentes em formação regular (FONSECA, 2005; FONSECA & SANTOS 1995) e de alternância (FONSECA & SANTOS 1993) quer em jóvens e adultos de baixo rendimento integrados em programas de reabilitação profissional (FONSECA, SANTOS & CRUZ 1994), é uma das respostas mais adequadas não só para aquelas populações e afins, bem como, para adultos iletrados, em reconversão profissional ou em formação contínua.
        A Escola e a maioria de Centros de Formação e de Treino Profissional, partem da assunção falsa, que as crianças, os jóvens e adultos formandos dispõem de funções cognitivas para aprender e para reaprender, mas tal não é verdade. Por esse facto, a Escola tem sido um local de sucesso para alguns, mas de insucesso para muitos.
        Muitos indivíduos em situação de formação, não têm o seu potencial de aprendizagem actualizado, na medida em que carecem de pré-requisitos cognitivos básicos para obterem mais rendimento na aprendizagem e na formação, considerando que raramente são colocados em situações de reflexão e de pensamento crítico, porque são frequentemente integrados em programas inadequados e ineficientes.
         Tais indivíduos, não evidenciam as qualidades perceptivas necessárias para extrair dados da informação apresentada, não dispõem de capacidades comparativas expontâneas, e por esse facto, não possuem modalidades de conservação de constâncias para categorizarem e classificarem dados, não revelam o mínimo de instrumentos verbais para descreverem ou narrarem situações, não enfrentam nem identificam problemas, e muito menos, desenvolvem estratégias para os resolver. Por analogia, também não demonstram sistemas de necessidades mais elaborados, não se confrontam com situações desafiantes, não desenvolvem processos de motivação intrínseca, etc..

        Em síntese,  encontram-se em estado de verdadeiro empobrecimento cognitivo, sem apetite mental para o superar, como que consubstanciando um pré-determinismo de insucesso escolar e profissional, a que convém pôr cobro.
        As Escolas e os Centros de Formação devem fazer um esforço para se adaptarem às necessidades do século XXI, as suas reestruturações curriculares não podem evoluir sem a implementação da educabilidade cognitiva. A escola do futuro terá de ser responsável pelo desenvolvimento do pensamento.
        O PEI dispõe de virtualidades cognitivas excelentes para este tipo de casos, desde que os seus instrumentos (FONSECA 1992, 2005) se adaptem às características dos formandos a quem se destinam. Devidamente mediatizado, o PEI pode fazer a diferença e contraiar os juízos e  convicções precipitadas sobre o potencial intelectual da massa cinzenta estudantil ou da força de trabalho adulta.
        Os genes, os cromossomas, ou  a hereditariedade já não explicam, só por si, o desempenho e a prestação intelectual do indivíduo.
        A inteligência pode ser aprendida e  modificada (McGREGOR, 2007; BARON & STENBERG, 1997; ASHMAN & CONWAY, 1997), basta que para tal se perspective uma visão de qualidade de ensino e de formação com base nos pressupostos da EC que temos vindo a equacionar.
        A EC prepara uma nova geração para uma nova era.                
        Do ponto de vista dos formandos a EC transmite-lhes processos e estratégias cognitivas, e não só conteúdos, ou seja, promove e desenvolve, diferentes formas de aprender e não só de conhecer.
        É óbvio que os conteúdos são importantes, mas aprender a aprender é  fundamental, porque alguns conteúdos podem perder actualidade, enquanto as estratégias e os processos de aprendizagem se mantêm e se podem modificabilizar e desenvolver.
        Do ponto de vista dos formadores, cabe-lhes uma função activa e positiva de transformação do processo de ensino, desde a focagem e da organização dos estímulos à sua estruturação e integração, desde a ponte entre a escola e a família, ambas cada vez mais carenciadas de estratégias de mediatização para fazer das crianças e dos jóvens melhores aprendizes, numa tentativa de reduzir a falta de suporte e de interacção intencional da parte dos pais, que não dipõem hoje de tempo e de meios para fazerem da família um centro privilegiado de aprendizagem e de desenvolvimento, ou da parte dos formadores que menos investem, para fazer da escola e dos centros de formação, centros de inovação e de mediatização de excelência.
        O professor (ou formador, aqui concebido como mediatizador) equipado com instrumentos da EC e dos pressupostos psicopedagógicos que dela emanam, pode preparar os estudantes para serem mais flexíveis e adaptáveis e para se tornarem efectivamente mais autónomos numa sociedade supersimbólica em mudança.
        O professor como mediatizador, necessita de uma formação específica para esse efeito, tendo que entender os seus  estudantes não como meros recipientes, mas como geradores independentes de informação. Por natureza os estudantes e os formandos,  não são indivíduos onde entra e sai informação, rapidamente esquecida depois de realizar os testes de avaliação, nem tão pouco são cabeças imediatistas cheias de superficialidades.
        Os estudantes e os formandos na sua intrinsecalidade, são criadores e combinadores de informação, são indivíduos modificáveis, na medida em que a inteligência não é fixa nem imutável (KOZULIN, 1998), não é uma coisa, é uma entidade e uma virtualidade comportamental.
        Hoje num mundo de discontinuidade e de mudança, esta perspectiva concebe o ser humano, em qualquer idade, situação social ou contextual, como estando aberto à mudança e dispondo de inteligências múltiplas (GARDNER 1985) para desenvolver o seu potencial dinâmico e plástico de aprendizagem.
        O professor e o formador do futuro tem o dever de preparar os estudantes para pensar, para aprender a serem flexíveis, ou seja, para serem aptos a sobreviver na  nossa aldeia de  informação  acelarada.

        Ser inteligente hoje, pode não equivaler a ser inteligente no futuro. A inteligência não é uma competência humana que se possa resumir a um Quociente Intelectual (QI) fixo, nem é sequer um objecto, quando muito é antes um poder, uma energia e uma orientação, que pode ser modificabilizada e optimizada em múltiplos aspectos e factores componentes (KOZULIN, 1998).
        Os professores e os formadores com base na sua interacção mediatizada com os estudantes ou formandos, podem transformar activamente as suas formas de pensar, comunicar e agir, e por esse processo pedagógico interactivo e intencional, modificar as suas estruturas cognitivas que observam, analisam, seleccionam, organizam e categorizam a informação, desenvolvendo consequente-mente, conceitos supraordinários de qualidades ou atributos concretos e abstractos (ASHMAN & CONWAY, 1997; PARRAUDEAU, 1996). Tais componentes sitémicos da cognição são necessários para todas as situações de aprendizagem, o que requer uma análise crítica e criativa para que a informação seja retida e posteriormente reutilizada com mais eficácia.
        Efectivamente o professor no contexto da EC terá de assumir um papel diferente da pedagogia tradicional, a sua instrução e  a sua avaliação deve ser dirigida para os processos mentais superiores necessários à adaptabilidade, e não para processos superficiais de simples assimilação, armazenamento e reprodução de informação.
        A compreensão dos processos de aprendizagem que o professor tem hoje de dominar, terá de ser orientada para as metacomponentes da inteligência que sustentam a aprendizagem e para as suas três funções cognitivas básicas e sistémicas: de input, de elaboração e de output.
        Com base numa avaliação dinâmica do potencial de aprendizagem dos estudantes ou dos formandos, o professor deverá ser capaz de determinar quais são as disfunções cognitivas que são obstáculo a uma aprendizagem mais proficiente (PARRAUDEAU, 1996).
        Muitos professores se queixam que os seus estudantes não usam devidamente as fontes de informação, não elaboram nem definem problemas, não aplicam estratégias sistemáticas e planificadas de resolução de problemas, não comparam nem estabelecem analogias entre dados de informação, não formulam ideias ou inferências, não criam hipóteses nem as reanalisam, ou seja, não dispõem das funções cognitivas básicas que permitem integrar critica e criativamente  conteúdos de informação, e por esse facto, renderem mais e tirarem mais proveito das oportunidades de formação, e por analogia, produzirem mais e usufruirem mais.
        Não basta aprender português, matemática, ciências naturais ou outros conteúdos, é preciso ir mais fundo nos processos cognitivos dos estudantes, dos formandos, dos quadros médios e/ou superiores, saber se eles possuem os pré-requisitos necessários para integrar e retirar significações do vocabulário de tais conteúdos, se diferenciam os dados releventes dos irrelevantes a eles agregados, se lêm rapida e escrevem eficientemente, se extraiem dados de forma precisa, se captam abstracções complexas, etc..
        Para assumir estes desafios, os professores, não só se transformam em actores de mudança, como em facilitadores dinâmicos, activando os processos cognitivos dos seus estudantes com intencionalidade, transcendência e significação. 
        Com o recurso à EC o professor e o formador, transforma-se num psicólogo, devendo pôr em marcha uma pedologia (VIGOSTKY 1987), virada para uma maior integração entre a avaliação e a intervenção nos processos cognitivos intrínsecos dos seus estudantes e compreender as suas emoções e motivações, não só avaliando os seus potenciais de aprendizagem, como igualmente, interpretando a sua mudança e pressentir que eles podem vir a ter no futuro mais sucesso.
        Esta crença ("believe system") no indivíduo e na sua capacidade de mudança, aprendizibilidade e adaptabilidade é fundamental para implementar a EC, pois não basta que os professores se tornem bons técnicos de transmissão e de apresentação de informação. Sem serem portadores de uma teoria que aposta no potencial de modificabilidade que é inerente a cada ser em situação de aprendizagem, o êxito e a excelência da sua educação e formação não serão alcançados.
        O professor/formador pode ser o tal agente de mudança numa época de exigência  e de modernidade, desde que  seja devidamente treinado para avaliar e intervir no âmbito das funções cognitivas, abandonando a atitude passiva de apontar o dedo indicador para o estudante com insucesso, sem reconhecer que no mesmo momento, tem os dedos médio, anelar e mínimo apontados para si.

        Com formação na EC, o professor/formador, ou melhor, o mediatizador, não ensina conteúdos, mas ensina o que o indivíduo precisa para aprender, para analisar, planificar e  exprimir  dados para pensar, isto é, ensina operações, funções e pré-requisitos básicos para aprender a aprender e a reaprender.
        Numa óptica kantiana, qualquer conhecimento sem conceitos é  considerado cego, e qualquer conceito sem conhecimentos, pode ser considerado vazio. Da mesma forma, sujeitar crianças, jóvens ou adultos a puras formas de assimilação de conhecimentos sem dominarem e compreenderem os conceitos, e vice-versa, pode  condenar as futuras gerações a um vazio cognitivo e a resistências à mudança, que podem comprometer seriamente a resolução dos desafios que se avizinham, onde a capacidade de aprendizagem se transformará em vantagem competitiva e em eficácia organizacional.
        A EC não se substitui  às disciplinas do currículo regular, ela deve emanar dele e suportá-lo nas suas componentes cognitivas. Não se trata de um apoio pedagógico que se edita sem formação e se adopta acriticamente no contexto escolar ou profissional. A EC não pode ser apenas uma maquilhagem ou operação de cosmética curricular, na sua essência, ela deve implicar o futuro da reestruturação de todo o currículo.
        A EC consubstancia um processo integrado que acelera e compensa os pré-requisitos cognitivos da aprendizagem contínua, uma oportunidade ímpar que não se pode negligenciar no futuro século XXI, pois triunfar nele vai exigir mais investimento no potencial de adaptabilidade/empregabilidade e também no desenvolvimento pessoal e social do indivíduo.
        Esperamos portanto, que estes desafios se tornem uma rotina estratégica nas escolas, nos centros de formação e nas empresas, pois não basta estármos sensibilizados, é preciso pôr mãos à obra com os instumentos cognitivos já disponíveis...


BIBLIOGRAFIA

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