Categorias metacognitivas


Pontifícia Universidade Catónca do Paraná
Este artigo tem por objetivo identificar as categorias metacognitivas presentes na maneira peculiar de cada criança planejar, supervisionar e avaliar suas tarefas escolares, bem como contribuir, a partir desta análise, para a prática pedagógica.
O estudo reflete uma preocupação empírica com a metacognição, e os dados dela derivados são analisados à luz, principalmente, dos trabalhos de John H. Flavell (1981, 1999), Juan Mayor, Aurora Suengas e Javier Marques (1995) e Evelise Portilho (2003,
As bases epistemológicas do estudo estão fundamentadas nas realidades que constituem a tomada de consciência, o controle e a autopoiese. No entanto, para atingir os objetivos propostos, faz-se uma opção, especificamente, pelo controle ou autorregulação.
0 conceito de metacognição surgiu nos Estados Unidos, no início dos anos 1970, e teve como precursor John H. Flavell, psicólogo americano especializado no desenvolvimento cognitivo da criança.
Foi a partir de novos fenômenos de desenvolvimento e da análise das teorias de Jean Piaget que Flavell (1976, apud GRANGEAT, 1999) mudou a direção do desenvolvimento da psicologia nos Estados Unidos. Seus trabalhos sobre a memória, a aprendizagem de estratégias, a íunção de evocação, o treino da leitura reflexiva, e o desenvolvimento da capacidade de identificar os erros da leitura foram responsáveis pelo desenvolvimento da teoria da metacognição.
Inicialmente, os estudos metacognitivos tratavam da metamemória da criança, especialmente dos conhecimentos e da utilização de estratégias de memória. Posteriormente, Flavell (1976, apud, GRANGEAT, 1999) investigou a metacognição, relacionado-a à linguagem, à comunicação, à percepção, à atenção, à compreensão e à solução de problemas.
Em um primeiro momento, o termo metacognição referia-se apenas à consciência reflexiva dos processos cognitivos. Posteriormente, os autores foram mais além e incluíram, também, o controle da cognição na definição de metacognição.
Dessa maneira, o estudo da metacognição, nas palavras de Flavell (1999), inclui
conhecimentos sobre a natureza das pessoas como cognitivas, sobre a natureza das diferentes tarefas cognitivas, e sobre possíveis estratégias que podem ser aplicadas para a solução de diferentes tarefas. Inclui também as competências executivas para monitorar e regular as próprias atividades cognitivas, (p. 22)
Em outros termos, a metacognição é todo o movimento que a pessoa realiza para tomar consciência e controle de seus processos cognitivos. Ela diz respeito, entre outras coisas, ao conhecimento do próprio conhecimento, à avaliação, à regulação e à organização dos próprios processos cognitivos.
Para César Coll, Álvaro Marchesi e Jesús Palacios (1995), a palavra metacognição tem duplo significado: primeiro, alude ao conhecimento que o indivíduo pode alcançar sobre seus próprios processos mentais, e, segundo, ao efeito que tal conhecimento exercerá sobre sua conduta; “é fácil compreender que o fato de poder ter acesso ao pensamento é, ao menos, um primeiro passo para poder controlá-lo” (p. 214).
John Bransford, Ann Brown e Rodney Cocking (2007) corroboram essa ideia, ao mencionarem que a metacognição refere-se à capacidade de uma pessoa prever o próprio desempenho em diversas tarefas e monitorar seus níveis atuais de domínio e compreensão. Esse monitoramento se dá por meio das estratégias.
A metacognição também foi abordada por alguns pesquisadores da inteligência, em particular por Robert Sternberg (1985), com a teoria triárquica da inteligência, que descreve a metacognição como um conjunto de processos de controle (metacomponentes) que conduzem à resolução efetiva de problemas novos.
Mais recentemente, Shirley Larkin (2010) definiu metacognição como um processo de pensamento particular no qual deve existir a consciência, o monitoramento consciente e o controle. A autora destaca a necessidade de sermos mais conscientes de como tomamos decisões ou alcançamos conclusões. Talvez esse processo não altere a decisão em si, mas por meio dele podemos aprender algo sobre nós mesmos e isso nos ajudará no íuturo.
A partir dessas perspectivas, apresentamos alguns conceitos que acreditamos serem importantes para a construção das categorias metacognitivas, uma das perspectivas deste estudo.
Inicialmente, cabe uma pequena introdução sobre o que entendemos por estratégia e, consequentemente, por estratégia cognitiva. É de amplo conhecimento que as estratégias têm sido objeto de variadas análises e refletem-se em um vasto corpo de estudos, em um grande leque de contextos educacionais para uma grande diversidade de estudantes.
Para Juan Ignacio Pozo (2002), ao contrário das técnicas, as estratégias são procedimentos que se aplicam de modo controlado, segundo um plano projetado deliberadamente com o fim de alcançar uma meta. O autor completa seu raciocínio observando que
não se trataria tanto de diferenciar que procedimentos são técnicas e quais são estratégias (fazer uma representação gráfica de alguns dados é uma técnica ou uma estratégia?), mas de diferenciar quando se usa um mesmo procedimento de modo técnico (quer dizer, rotineiro, sem planejamento nem controle) e quando se utiliza de um modo estratégico, (p. 235)
Na atividade escolar, a estratégia de aprendizagem refere-se a como cada estudante realiza a tarefa que lhe foi proposta. É interessante darmos conta das vezes que realizamos atividades de maneira mecânica e do tipo de resultado que obtemos com essa ação. A sugestão é repensarmos o que estamos fazendo e como fazemos nossas tarefas, em benefício de um processo de aprendizagem mais significativo.
Pozo (2002) ressalta, ainda, que “a estratégia é o conjunto de procedimentos que são orquestrados e realizados para atingir qualquer objetivo, plano, propósito ou meta.
Aplicada à aprendizagem, é a sequência de procedimentos utilizados para alcançar
Sendo assim, a estratégia de aprendizagem tem a ver com o controle sobre os próprios processos de aprendizagem, para que se possa utilizá-los de maneira mais discriminativa. Nesse sentido, a palavra estratégia diz respeito ao planejamento e ao controle de uma ação; mas, para que isso ocorra, necessita-se de recursos cognitivos ou de estratégias cognitivas. Segundo Flavell (1981), as estratégias são cognitivas quando executam uma ação mediante o conjunto de atividades ou técnicas a seu serviço (correspondentes a sete processos de aprendizagem: sensibilização, atenção, aquisição, personalização, recuperação, transferência e avaliação).
A principal íunção de uma estratégia cognitiva é ajudar a alcançar o objetivo de qualquer iniciativa em que alguém esteja envolvido. Por exemplo, ao ler um enunciado de uma conta de matemática, precisa-se saber se ela é de subtração ou de divisão e assim por diante, isto é, as estratégias cognitivas são evocadas para fazer o progresso cognitivo.
E qual é a diferença entre estratégias cognitivas e estratégias metacognitivas? John Flavell, Patricia Miller e Scott Mil ler (1999) diferenciam-nas da seguinte forma: enquanto as estratégias cognitivas são destinadas a levar o sujeito a um objetivo cognitivo, as estratégias metacognitivas propõem-se a avaliar a eficácia das primeiras, ou seja, regulam tudo o que está relacionado com o conhecimento, decidindo quando e como utilizar esta ou aquela estratégia. Por exemplo, algumas vezes procedemos a uma leitura lenta, simplesmente para aprender o conteúdo (estratégia cognitiva); outras vezes, lemos rapidamente para ter uma ideia acerca da dificuldade ou facilidade da aprendizagem do conteúdo (estratégia metacognitiva).
Desse modo, aprendemos sobre as estratégias cognitivas para obtermos progressos cognitivos, e sobre as estratégias metacognitivas para monitorizar o progresso cognitivo. De acordo com Flavell, Miller e Miller (1999), a utilização de estratégias metacognitivas é, geralmente, operacionalizada como a monitorização da compreensão, que requer o estabelecimento de objetivos de aprendizagem, a avaliação do grau de compreensão que se deseja alcançar e, se necessário, a modificação das estratégias utilizadas para alcançá-
0 estudo da metacognição no Brasil encontra-se em evolução quantitativa e qualitativa, sobretudo na temática das estratégias metacognitivas. Entre 1996 e 2007, existem, conforme pesquisa de estado da arte realizada no Banco de Teses da CAPES, 16 dissertações e cinco teses na área da educação que abordam o assunto.
Tais dados instigam a pesquisa desse tema para que, por meio dela, possamos articular caminhos que auxiliem o aluno “a transformar-se num sujeito pensante, de modo que aprenda a utilizar seu potencial de pensamento por meios cognitivos, habilidades, atitudes, valores” (LIBÂNEO, 1998, p. 30).
O ensino passou um largo tempo preocupado com o conteúdo e a reprodução daquilo que já existia. É hora de provocarmos os estudantes, desde a infância, a refletirem sobre os temas e as experiências que vivem, e a buscarem os vários sentidos e as realidades que fazem parte do mesmo objeto. O estudo da metacognição pode ser um dos caminhos para essa conquista.
José Bernardo Carrasco (2004) afirma que as estratégias metacognitivas referem-se
          saber avaliar a própria execução cognitiva;
           saber selecionar uma estratégia adequada para solucionar determinado problema;
          saber dirigir, focar a atenção a um problema;
          saber decidir quando parar a atividade em um problema difícil;
          saber determinar a compreensão do que se está lendo ou escutando;
          saber transferir os princípios ou estratégias aprendidas de uma situação para
outra;
          saber determinar se as metas ou os objetivos propostos são consistentes com suas próprias capacidades;
          conhecer as demandas da tarefa;
          conhecer os meios para chegar às metas ou objetivos propostos;
          conhecer as próprias capacidades e como compensar suas deficiências.
Para entender de que forma levar tais estratégias até as salas de aula, faz-se necessário aprofundarmos um pouco mais os estudos acerca das estratégias e das subestratégias metacognitivas. São elas: a) consciência e as subestratégias: pessoa, tarefa e estratégia; b) controle e as subestratégias: planejamento, regulação e avaliação. Diferentes autores abordam somente essas duas estratégias, porém Portilho (2003), baseada em Mayor, Suengas e Marques (1995), aborda uma terceira; c) autopoiese. Para uma melhor visualização do processo de metacognição e das estratégias nele envolvidas, apresentamos a Figura 1.
Figura 1 - Estratégias metacognitivas e subestratégias
Fonte: PORTILHO, 2009, p. 115,


A primeira estratégia metacognitiva, chamada consciência, é entendida como a tomada de consciência dos processos e das competências necessárias para a realização da tarefa. A segunda, o controle ou autorregulação, é a habilidade que a pessoa possui para avaliar a execução da tarefa e fazer correções quando necessário; em outras palavras, é o controle da atividade cognitiva, da responsabilidade dos processos executivos centrais que avaliam e orientam as operações cognitivas, (é nessa segunda estratégia metacognitiva que a presente investigação está ancorada). A terceira estratégia, a
autopoiese, complementa a ideia da tomada de consciência sobre a atividade de aprendizagem, sua regulação e a transformação necessária que o sujeito deve fazer a partir da experiência vivida, ou seja, os significados que ele constrói e a transformação que realiza, a partir desse movimento intrapessoal; “a autopoiese implica a dialética, a recursividade e o processo de retroalimentação, ou feedback” (PORTILHO, 2004, p. 6).
A estratégia metacognitiva de controle solicita da pessoa uma reflexão constante sobre suas ações. O controle, como afirma Kluwe (1987 apud LAFORTUNE; SAINT- PIERRE, 1996, p. 25), é a atividade que visa seguir, examinar, recolher informações sobre as atividades cognitivas que estamos efetuando e seu estado atual.
As atividades de controle “estão ligadas à vigilância daquilo que se faz, à verificação dos progressos e à avaliação da conformidade e da pertinência das etapas seguidas, dos resultados obtidos ou das estratégias utilizadas” (LAFORTUNE; SAINT- PIERRE, 1996, p. 25). Ou seja, o controle está sempre ligado às tarefas de gerir, avaliar e regular as próprias atividades, do início ao fim.
Ao pesquisarmos sobre a estratégia metacognitiva de controle das crianças, observamos as três seguintes subestratégias: planejamento, regulação e avaliação (Figura
O controle metacognitivo, de acordo com a maioria das propostas descritas na literatura, inclui os processos de planejamento das estratégias mais adequadas na hora da resolução de um problema, da supervisão ou regulação do uso que a pessoa faz destas estratégias para atingir as metas estabelecidas e a avaliação dos resultados que obteve. (PORTILHO, 2006, p. 54)
A subestratégia do planejamento é a previsão das etapas, a escolha de estratégias em relação ao objetivo da tarefa. Nela são considerados os resultados de cada ação; são as tarefas reconhecidas na gestão do pensamento e consistem em organizar a forma como as informações serão tratadas, “o estabelecimento de um objetivo, uma determinação dos recursos disponíveis, a seleção dos procedimentos a seguir para alcançar a meta desejada e a programação do tempo e esforço” (MATEOS, 2001, p. 71).
Louise Lafortune e Lise Saint-Pierre (1996) enfatizam que a subestratégia de planejamento inicia-se a partir da análise de uma tarefa a ser realizada, de suas características e exigências, elementos importantes para a definição da estratégia que será escolhida. A tarefa, assim, é dividida em subobjetivos a atingir, e são avaliadas as possibilidades de sucesso, bem como o tempo necessário estimado ou previsto para as etapas a serem seguidas.
Segundo pesquisa realizada por Schoenfeld (1987, apud LAFORTUNE; SAINT- PIERRE, 1996, p. 24-25), alunos principiantes em matemática passam muito menos tempo do que os especialistas efetuando tais estratégias de planificação durante a resolução de problemas. E mais: eles têm a tendência a lançarem-se de imediato numa série de operações que frequentemente os distanciam da solução.
A subestratégia de regulação ou supervisão está ligada às intervenções que se fazem depois que se detectaram, no planejamento, as atividades que necessitam de uma monitorização, ou seja, consiste em controlar o processo para o objetivo da tarefa. Conforme Lafortune e Saint-Pierre (1996), as decisões tomadas nessa estratégia dizem respeito à organização, ao esforço, à quantidade, à orientação da atividade cognitiva em questão. Isso significa que, por meio da observação de como a criança utiliza a regulação da tarefa, podemos entender seu processo de aprendizagem e fazer as devidas intervenções.
A subestratégia de avaliação está ligada à vigilância daquilo que se faz para a verificação dos progressos e à avaliação da conformidade e da pertinência das etapas seguidas, dos resultados obtidos.
Para Célia Ribeiro (2003, p. 114), a metacognição em ação, ou seja, o autocontrole cognitivo, diz respeito às reflexões pessoais sobre a organização e a planificação da ação antes do início da tarefa (planejamento), aos ajustamentos que se fazem enquanto se realiza a tarefa (regulação) e as revisões necessárias à verificação dos resultados obtidos
É importante salientar, como sugere Mar Mateos (2001), que
O fato de esses processos se descreverem em uma sequência linear de três fases não significa que toda a tarefa de aprendizagem ou de solução de problemas implique necessariamente da mesma maneira os três tipos de processos, nem tampouco que se apliquem sempre nessa ordem, já que em muitos casos eles interagem de forma complexa, influenciando-se uns aos outros. Os processos de controle são processos mais recorrentes do que lineares, (p. 71)
A partir disso, é possível analisar de que forma a criança em fase de alfabetização pode estruturar suas estratégias metacognitivas; ela “deverá conduzir de forma ativa sua própria aprendizagem, sem limitar-se a esperar receber os impulsos procedentes do meio para realizar uma ou outra tarefa” (PORTILHO, 2004, p. 6). A autora completa essa ideia ao alertar que a criança que aprende somente sentirá essa necessidade se o meio sensibilizá-la para tal, e que, na relação aprendizagem/ensino, tal papel é do professor.
Essas afirmações fazem refletir sobre o que Javier Burón (1996) escreve sobre as estratégias metacognitivas. Para ele, ensinar a autorregular a atividade mental é o mesmo que ensinar estratégias eficazes de aprendizagem. Pode-se inferir daí que o desenvolvimento metacognitivo leva a saber aprender.
Portanto, o conhecimento acerca das estratégias metacognitivas possibilita ao estudante tomar consciência de sua maneira de aprender, ter controle sobre aspectos que necessitam de revisão e transformar sua maneira de aprender para obter melhores resultados em sua vida acadêmica. E, ao professor, cabe intervir e auxiliar o aluno em suas aprendizagens para que ele obtenha melhores resultados.
Este artigo faz parte da pesquisa intitulada Aprendizagem e conhecimento na formação docente, e tem como objetivo entender o processo de aprendizagem de alunos e professoras de alfabetização.
Para conhecer como os 396 alunos da Ia série do ciclo I do ensino fundamental de uma rede municipal de ensino do Estado do Paraná aprendem, foram selecionadas cinco estratégias de aprendizagem: personalização, atenção, memória, processamento da informação e metacognitiva. Os alunos tinham, na época da pesquisa, entre seis e sete anos de idade.
Para atingir o objetivo proposto, foram elaborados dois instrumentos de pesquisa com enfoque na oralidade, na escrita e na leitura. As crianças foram convidadas a contar uma história a partir de uma imagem escolhida por elas, a escrever o que contaram e, depois, a ler o que escreveram. 0 segundo instrumento solicitava que a criança relacionasse nove frases a oito imagens, selecionadas aleatoriamente. Para o registro das estratégias utilizadas pela criança, foi construído um protocolo de observação contendo
83 itens, dos quais dez são específicos sobre as estratégias metacognitivas. Particularmente, este artigo aborda as estratégias metacognitivas de controle utilizadas pelos alunos.
As estratégias metacognitivas pesquisadas referem-se ao controle ou autorregulação que a criança apresenta na hora da atividade; mais especificamente, referem-se às subestratégias de planejamento, regulação e avaliação.
Depois de realizarem as atividades propostas, os alunos respondiam oralmente às dez questões lidas pelo examinador, que anotava as respostas no protocolo. As 3.960 respostas das crianças foram transcritas, tabuladas, analisadas e categorizadas.
As questões metacognitivas dirigidas aos alunos referem-se à estratégia de controle, como pode ser observado na Figura 2.
Figura 2 - Quadro com o registro das subestratégias e as respectivas perguntas sobre as estratégias metacognitivas
Planejamento
Regulação
Avaliação
Se você tivesse que contar o que fizemos aqui para outra criança, o que contaria?
0 que você faz quando não entende uma palavra?
0 que é mais fácil na hora de ler?
Antes de começar a escrever, o que você faz?
0 que você faz quando escreve errado?
0 que é mais difícil na hora de ler?

Você precisa ler uma palavra mais de uma vez? Por quê?
0 que é mais fácil na hora de escrever?

Você corrige quando vê que não fez certo?
0 que é mais difícil na hora de escrever?

Fonte: Pesquisa Aprendizagem e conhecimento na formação docente (PUCPR),


Diante do grande número de respostas (3.960) dadas pelas crianças às dez perguntas metacognitivas, foi necessário realizar um agrupamento e seguir a orientação dos especialistas em pesquisa qualitativa para buscar conceitos que contemplassem as características comuns das respostas.
Maria Cecília Minayo (1994), ao comentar sobre a categorização nas pesquisas qualitativas, aponta-a como um conceito que abrange elementos e aspectos com características comuns, ou que se relacionam entre si, e está ligado à ideia de classe ou série. Nesse sentido, trabalhar com categorias significa agrupar elementos, ideias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso.
O processo de construção das categorias aconteceu em etapas. Primeiramente, foram selecionadas 130 categorias. A criação delas foi baseada nas respostas de cada
criança, e estas foram agrupadas nas respectivas estratégias, ou seja, nas categorias que pertenciam à estratégia de planejamento, regulação (supervisão) e avaliação.
Transformar 3.960 respostas em 130 categorias e, posteriormente, em 24, foi um processo que exigiu releitura e filtragem do material fornecido pelas crianças para conseguir um agrupamento mais compacto e, ao mesmo tempo, mais fiel às respostas.
Um exemplo interessante dessa construção foi verificado na pergunta sobre a estratégia metacognitiva de regulação: O que você faz quando não entende uma palavra? A resposta dada por uma criança foi: “Ué, pergunto pra professora ou para o pai”. Essa resposta foi categorizada como referencial externo, ou seja, quando a regulação acontece fora do sujeito.
A seguir, seguem as 24 categorias finais, com suas respectivas definições e alguns exemplos das respostas transformadas nas categorias que vão ao encontro da maneira peculiar de cada criança agir, isto é, ao modo como planejam, supervisionam e avaliam suas tarefas.
1.           Ausência de referencial: quando a criança não tem referencial (uma base) para leitura, ela não consegue regular-se e avaliar-se (não saber ler/escrever).
Exemplo: O que é mais difícil na hora de ler? “Eu não consigo Lê”; “Quando a gente não sabe”; “Alguém que não sabe ler e alguém pede para ela ler”.
O que você faz quando não entende uma palavra? “Eu não leio”.
2.            Ausência de resposta: a criança não respondeu.
3.            Ausência de auxílio externo: a ausência de auxílio externo (professora ou de terceiros) dificulta o processo de autoavaliação da criança, ou seja, ela não se avalia sozinha.
Exemplo: O que é mais difícil na hora de ler? “Na hora que a professora não lê com
O que é mais difícil na hora de escrever? “Quando alguém não ajuda”.
4.            Autonomia na ação: o planejamento, a regulação e a avaliação acontecem com base na qualidade de atenção e pensamento quando a criança está executando a tarefa. Ela é autônoma, pensa e tenta corrigir, apaga e corrige sem necessidade de referencial externo para isso.
Exemplo: O que você faz antes de escrever? “Sempre tem que prestar atenção para aprender a escrever”.
O que você faz quando não entende uma palavra? “Junto as vogais com as consoantes e leio as palavras”; “Penso, pego o calendário de letra e vejo como faz o BA, BE”; “Eu tento ler, às vezes eu erro, às vezes eu acerto”.
5.            Avaliativo: o planejamento é avaliativo e tem juízo de valor (fácil, legal).
Exemplo: Se você tivesse que contar o que fizemos aqui para outra criança, o que contaria? “Foi muito legal participar daqui e que ele também pode tentar”; “Que eu fiz... De lê as coisa fácil”.
6.            Compromisso com a escrita correta: é mais difícil avaliar-se quando há necessidade de ter que sempre apagar o que escreve.
Exemplo: O que é mais difícil na hora de escrever? “Borrando e apagando”; “é apagar”; “Apagar quando escreve errado”.
7.            Desenho: o planejamento acontece por meio do desenho.
Exemplo: Antes de começar a escrever, o que você faz? “Eu desenho”.
8.            Domínio da leitura e da escrita: a criança consegue avaliar-se melhor quando domina a leitura e escrita.
Exemplo: O que é mais difícil na hora da ler ou de escrever? “Nada é difícil porque já sei ler e escrever”.
9.            Foco nas palavras: a avaliação se dá nas facilidades e dificuldades que a criança tem em identificar as palavras; vale-se do recurso de identificar ou não palavras que são conhecidas ou curtas.
Exemplo: O que é mais fácil na hora de ler? “Juntar as palavrinhas”.
O que é mais difícil na hora de ler? “Umas palavras grandes, eu não consigo juntar as letras”.
O que é mais fácil na hora de escrever? “Palavras normais, tipo bolo”.
O que é mais difícil na hora de escrever? “Quando minha mãe pede para escrever uma palavra grande”; “Tem algumas palavras que eu gosto, mas eu não tenho a mínima ideia do que vai formar”.
10.       Foco nas letras: a avaliação acontece por meio da identificação de letras ou sílabas conhecidas ou não, para conseguir formar a palavra; é mais fácil reconhecer primeiro letra por letra, para depois ler a palavra; é mais fácil ler somente as letras. Exemplo: O que é mais fácil na hora de ler? “As letras, eu junto e consigo lê”.
O que é mais difícil na hora de ler? “Quando tem o M e S sozinho”; “Olhar e não saber mais quais são as letras”.
O que é mais fácil na hora de escrever? “Fazê as letras mais facinha”.
O que é mais difícil na hora de escrever? “As palavras que começa com C e com S, eu troco”.
11.       Foco na grafia: é mais difícil ou fácil avaliar conforme a grafia (dificuldades com a letra cursiva).
Exemplo: O que é mais difícil na hora de escrever? “letra de mão”.
12.       Fuga do item pesquisado: responde qualquer coisa para livrar-se da questão. Conduta evitativa ou a resposta tem a ver com os próprios hábitos na cultura em que a criança está inserida.
Exemplo: Se você tivesse que contar o que fizemos aqui para outra criança, o que contaria? “Daí ia contar que era segredo, fica sem graça contar”; “Difícil de contar -
13.       Imobilidade diante das dificuldades: a criança não consegue regular-se, pois encontrou dificuldades e isso a imobilizou para novas tentativas; não tenta ler, não pergunta, não escreve, não faz. Não se utiliza da regulação.
Exemplo: O que você faz quando não entende uma palavra? “Eu assisto televisão daí”; “Daí eu não falo nada, porque eu não consigo”.
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Interferência externa: não consegue planejar-se nem avaliar-se quando há ruídos ou crianças tirando a atenção.
Exemplo: O que é mais difícil na hora de ler? “Se ficar incomodando a gente, a gente se atrapalha”; “É que todo mundo fica conversando e não consegue ler”.
O que é mais fácil na hora de escrever? “Tem que ficar todo mundo em silêncio para
15.       Não categorizada: resposta sem categorização, que não se encaixa em nenhum item, ou quando a criança não sabe o que responder.
Exemplo: Se você tivesse que contar o que fizemos aqui para outra criança, o que contaria? “Eu adoro o meu tio e minha tia”.
16.       Novas tentativas: a criança regula-se fazendo novas tentativas: lê de novo, escreve novamente, junta as palavras, junta as sílabas, as letras, escuta o som das letras, apaga e volta a copiar.
Exemplo: O que você faz quando não entende uma palavra? “Eu apago e tento lembrar e fazer de novo”.
17.       Perspectiva de totalidade: a subestratégia de avaliação fica mais comprometida com a leitura de livros, revistas, histórias, textos grandes, frases grandes, leitura de provas.
Exemplo: O que é mais difícil na hora de ler? “Umas letras bem grandes. Ler tudo a gente não consegue”; “Lê tudo junto, sem juntar as letras”; “Juntar as letras”.
18.       Planejamento automatizado: o planejamento é ordenado e envolve recursos de material escolar (borracha, penal, lápis, mochila etc.).
Exemplo: Antes de começar a escrever, o que você faz? “pego o material e ponho na mesa”; “pego, o lápis a borracha”; “A professora pede para pegar o penal e começa a explicar e a gente começa a fazer a lição”.
19.       Planejamento parcial: fragmenta a tarefa realizada na hora de planejar-se.
Exemplo: Se você tivesse que contar o que fizemos aqui para outra criança, o que contaria? “Contaria a história da Bela Adormecida, que contei uma história”; “Eu fiz a historinha do porquinho”.
20.        Planejamento estruturado: segue a sequência da tarefa, ou seja, estrutura o planejamento.
Exemplo: Se você tivesse que contar o que fizemos aqui para outra criança, o que contaria? “Que primeiro eu tive que contar uma história, tive que colar frase onde se encaixa”; “Contaria para quem? Para outra criança? Que uma mulher põe uma figura e umas palavras e que eu pegava as palavras e punha nas figuras”.
Antes de começar a escrever, o que você faz? “Chego na aula, pego meu penal, pego meu lápis de escrever e começo a escrever”.
21.        Referencial externo: planejamento, regulação e avaliação acontecem com base em referencial externo. A criança planeja-se, regula-se e avalia-se na fala, ação, correção ou ordem do outro, professor ou alguém da família, ou seja, espera ou depende do outro para agir.
Exemplo: Você corrige quando vê que não fez certo? “Faço o “f” e tento, se a professora dizê que tá errado eu apago e tento fazê de novo mais certo”.
O que é mais difícil na hora de escrever? “Quando a professora não escreve no quadro, daí a gente tem que escrever sozinho”.
Você corrige quando vê que está errado? “Não, senão a professora briga. Eu posso fazer errado e não corrigir, não briga”; “Não, daí eu não entrego para a professora”; “Não porque tá errado, quem corrige é a professora”; “Não. Porque tem que corrigir
22.        Recurso didático: planejamento e a avaliação ocorrem com base no apoio dos recursos didáticos (planeja-se ou avaliase conforme está no quadro, no livro, no enunciado, no livro de historinhas).
Exemplo: O que é mais difícil na hora de escrever? “Por causa quando a professora dá lição e não passa no quadro e daí eu peço para o amigo e a professora diz: sem copiar, daí é bem difícil fazer a lição sozinha”.
O que é mais fácil na hora de escrever? “Copiar no quadro”.
23.        Resposta sem justificativa: a criança regula-se ou supervisiona na tarefa, mas não
Exemplo: O que você faz quando escreve errado? “Eu apago”.
Você precisa ler uma palavra mais de uma vez? Por quê? “Não. Por que não”.
24.        Resposta com justificativa: a criança regula-se e avalia-se na tarefa, dizendo de que forma faz (juntando as letras, falando a palavra antes de escrever etc.).
Exemplo: Você precisa ler uma palavra mais de uma vez? Por quê? “Não. Se é uma palavra muito fácil não precisa ler”; “Não. Eu leio devagar”.
O que você faz quando escreve errado? “Às vezes eu tenho preguicinha de apagar e faço por cima”.
De acordo com Bransford, Brown e Cocking (2007) “os pesquisadores cognitivos estão dedicando mais tempo ao trabalho com professores, testando e refinando suas teorias em salas de aula reais, onde podem ver como os diversos ambientes e as interações nas salas de aula influenciam as aplicações das suas teorias” (p. 19).
Com isso, os autores instigam-nos à proposta de que o professor também se torne um pesquisador, pois é na sala de aula que se podem colocar em prática as teorias sobre a aprendizagem e verificar se realmente fazem sentido e diferença em nossa realidade pedagógica.
A educação do século XX focalizava a aquisição das habilidades de letramento: leitura, escrita e cálculos básicos. Hoje, busca-se que o aluno possa pensar e ler criticamente, que se expresse com clareza e de modo convincente.
Conforme afirmam Bransford, Brown e Cocking (2007),
hoje em dia esses aspectos do letramento avançado são exigidos de quase todos, para que possam lidar com sucesso com as complexidades da vida contemporânea. As exigências de qualificação para o trabalho aumentaram sensivelmente, assim como a necessidade de que as organizações e os trabalhadores mudem para atender às pressões competitivas do ambiente de trabalho. A participação consciente no processo democrático também se tornou cada vez mais complexa, ã medida que o foco de atenção se deslocou do interesse local para o nacional e o global, (p. 21)
Esse foco de atenção no global remete-nos à influência da sociedade da informação, mencionada por Pozo (2005), em nossas vidas. Hoje não basta somente dominar as áreas do conhecimento em que trabalhamos; é necessário saber o que acontece no outro lado mundo. A tecnologia nos dá condições para, simultaneamente, acompanhar tais acontecimentos. Mas, o que de fato conseguimos filtrar e aprender?
As informações crescem em ritmo acelerado e, como afirmou o prêmio Nobel Herbert Simon (1996, apud BRANSFORD; BROWN; COCKING, 2007), “o significado de saber mudou: em vez de ser capaz de lembrar e repetir informações, a pessoa deve ser capaz de encontrá-las e usá-las” (p. 21).
A partir dos dados coletados, percebemos que um grande número de alunos regula ou supervisiona seu processo de aprendizagem na leitura e na escrita tendo o outro como referencial. Tal dado demonstra que a independência do aluno em suas atividades está em processo. Nesse sentido, a mediação do professor é fundamental para que o aluno consiga caminhar em direção à sua autonomia, libertando-se gradualmente do referencial externo.
Para Bransford, Brown e Cocking (2007), é necessário ajudar os estudantes a desenvolverem as ferramentas intelectuais e as estratégias de aprendizagem necessárias para a aquisição de conhecimento, bem como permitir que eles possam pensar produtivamente sobre as várias áreas da educação.
Hoje, a ciência comprova que a aprendizagem modifica a estrutura física do cérebro e sua organização funcional. Entender quais estruturas modificam-se e quais fazem conexões, tanto no cérebro quanto nos processos de aprendizagem que cada um estabelece em seu cotidiano, pode aperfeiçoar as práticas do ambiente educativo. Isso nada mais é do que aprender com a própria experiência, com os erros e acertos nas tentativas e frustrações de cada aprendizado novo. Somente aprende quem se expõe para o aprendizado, quem está aberto para a aventura que é o conhecimento. Trata-se da imersão na experiência, como mencionou Guy Claxton (2005).
O professor comprometido com o desenvolvimento das potencialidades do aluno estimula-o a assumir o controle de sua própria aprendizagem, isto é, aprender a identificar quando entende e quando necessita de mais informação; quais são as estratégias que pode utilizar; como pode elaborar suas próprias teorias sobre os fenômenos e testá-las com eficácia, e assim por diante. Essa atitude exige que o professor repense sobre que é ensinado, sobre a maneira de ensinar e sobre o modo de avaliar a aprendizagem dos alunos.
Para analisar como o aluno do início do ensino fundamental conduz sua própria aprendizagem e estrutura suas estratégias metacognitivas, foi realizado um trabalho de composição de 24 categorias da estratégia de controle ou autorregulação.
Tal estratégia está subdividida em três momentos: o planejamento, a supervisão e a avaliação. Em relação à primeira subestratégia metacognitiva de planejamento, constata-se que as crianças pesquisadas geralmente utilizam um planejamento parcial e automatizado na oralidade, na escrita e na leitura, como é possível observar, por exemplo, na criança que, indagada sobre como se expressaria se tivesse que contar a outra criança o que fez com as pesquisadoras, afirma que contaria que “fez uma história” (categoria n° 19); ou na criança que, questionada sobre o que faz antes de começar a escrever, respondeu: “rezamos, data, pulamos uma linha” (categoria n° 18).
O planejamento parcial apoiado nas imagens, nas histórias ou na própria escrita é um recurso que a criança costuma utilizar para aprender nessa fase da alfabetização.
No que se refere ao planejamento automatizado, observa-se que é natural, no início do processo de aprendizagem, que a criança aja de forma espontânea, sem planejamento ou intencionalidade. Karmiloff-Smith (apud MORAIS, 2007) relata que, num primeiro momento de aprendizagem, o indivíduo agiria de forma limitada, mecânica, rotineira, por possuir em sua mente apenas conhecimentos formulados em um nível implícito. Trata-se de aprendizagens inconscientes. Como se percebe, o planejamento automatizado pode ser uma estratégia útil, uma vez que a criança não necessita dele a todo momento em que surge uma tarefa. Porém, se o planejamento ficar no piloto automático, a criança deixa de tentar novos planos quando a situação exigir uma maior autonomia e/ou a construção de novas estratégias.
O professor deve estar atento a como a criança está estruturando suas ações de planejamento em sala de aula, principalmente porque muitas dessas ações podem estar ancoradas nas próprias atitudes e referenciais do docente.
Na análise das questões que envolveram a segunda subestratégia metacognitiva a supervisão, observa-se que a criança, na hora de falar, ler e escrever, controla a
atividade, mas não justifica a resposta (categoria n° 23). Como exemplo, na pergunta O que você faz quando escreve errado?, 79,7% das crianças responderam “Eu apago”, o que indica que elas sabem o que fazem e respondem objetivamente. Ou ainda, a criança supervisiona a atividade realizada indicando o outro para auxiliá-la. Na questão: O que você faz quando não entende uma palavra?, ou seja, na ação perante a dúvida, 69% das crianças disseram necessitar do referencial externo (categoria n° 21) para supervisionar ou regular sua ação. Por exemplo, “mostro para a professora. Ela só fala que é para apagar e fazer de volta”, ou “minha professora fala que tá errado. Eu faço de novo”.
A metacognição desenvolve-se gradualmente “e depende tanto do conhecimento como da experiência. É difícil desenvolver a autorregulação e a reflexão em áreas que não são conhecidas” (BRANSFORD; BROWN; COCKING, 2007, p. 135-136). Para algumas crianças, a leitura e a escrita ainda são áreas desconhecidas, interferem em sua autorregulação, e, por isso, elas procuram o referencial externo para dar conta da tarefa, o que parece natural para o momento.
Todavia, é importante ressaltar que alguns argumentos utilizados pelas crianças já denotam que elas estão conscientes e controlam suas ações segundo as possibilidades que se apresentam, como se observa nos seguintes casos: fazem novas tentativas (categoria n° 16; por exemplo, O que você faz quando não entende uma palavra? “Eu tento pensar mais”); ou já possuem certa autonomia (categoria n° 4; por exemplo: O que você faz quando escreve errado? “Eu leio e vejo e se eu fizer errado eu apago”); também já justificam algumas ações (categoria n° 24; por exemplo: Você precisa ler uma palavra mais de uma vez? “Mais de três vezes, porque a palavra é difícil, quando é fácil duas vezes”).
É importante que o professor auxilie seu aluno a encontrar o próprio caminho de regulação das atividades que realiza, além de valorizar as estratégias que ele utiliza e ajudá-lo a encontrar novos caminhos.
Por fim, verificou-se que a terceira subestratégia metacognitiva, a avaliação, está focalizada na palavra conhecida ou não pela criança (categoria n° 9); por exemplo, quando ela relata que é mais difícil ler “nome de um suco novo”, ou “ficar vendo as palavras, se a gente não entende, daí tem dificuldade para ler diferente”. Talvez isso se dê porque elas ainda estão na unidade da palavra, que é o momento do processo de alfabetização em que se encontram.
Claxton (2005), ao falar do processo de leitura, afirma que, “é o reconhecimento de padrões de palavra inteira que inicia o processo da aprendizagem da leitura e que continua a ser a base de acumulação gradual do vocabulário escrito” (p. 87). Porém, ainda conforme o autor, a leitura desenvolve-se não apenas em uma, mas em diversas ferramentas de aprendizagem para adequar-se a diferentes propósitos e materiais.
O professor precisa reconhecer que uma aprendizagem com sentido não pode ultrapassar etapas e ater-se apenas à memorização de palavras, conforme observado na pesquisa. É importante que ele contextualize as palavras e as letras, ou seja, cabe a ele vincular o não saber ao que a criança já consegue dar conta, e oportunizando um ensino baseado na estratégia própria de cada aluno. Isso é o que se denomina ensino estratégico.
A pesquisa revelou que as crianças da Ia série do ciclo I do ensino fundamental de uma rede municipal de ensino do Estado do Paraná já utilizam estratégias metacognitivas e planejam suas tarefas, ou seja, fixam as metas e os meios, ora de forma parcial (fragmentando a tarefa realizada), ora de forma automatizada (ordenando a tarefa). Elas também se supervisionam, detectam os erros e/ou desvios cometidos, por meio de referencial externo (na fala, ação, correção ou ordem do outro), e justificam, ou não, suas ações. Além disso, avaliam seus resultados e focam as facilidades e dificuldades na identificação das palavras ou das letras.
Dessa forma, ao evidenciar o uso das estratégias metacognitivas nas crianças, é importante entender que, “o fato das crianças utilizarem diversas estratégias não é mera peculiaridade da cognição humana” (BRANSFORD; BROWN; COCKING, 2007, p. 138). Muito mais importante do que descobrir que elas já existem, é fazer com que as crianças as conheçam e se apropriem cada vez mais dessas ferramentas para que, ao identificá-las, possam saber onde aplicá-las, dependendo das exigências de cada circunstância.
O fato de o aluno já possuir estratégias não significa que estas estejam totalmente sob seu controle. Isso só poderá acontecer com a intervenção do professor; “as estratégias não são adquiridas por processos associativos, mas por processos de reestruturação da própria prática, produto de uma reflexão e tomada de consciência sobre o que fazemos e como fazemos” (POZO, 2002, p. 78). Tal processo leva tempo, pois essa tomada de consciência precisa ser ensinada às crianças.
Assim, a aprendizagem das estratégias está baseada na passagem progressiva ao controle da própria aprendizagem, na consciência que o professor empresta ao aluno para que este acabe apropriando-se dela. Para tanto, é preciso de que o professor não apenas disponha tarefas adequadas, mas, principalmente, adote atitudes estratégicas em relação a seu trabalho a fim de que os alunos aprendam com elas, pois os aprendizes não chegam às escolas preparados para aprender exatamente da mesma maneira.
Nesse sentido, enquanto os alunos não tiverem consciência do que pensam sobre suas próprias ações ao aprender (dificuldades, facilidades, estratégias etc.), continuaremos sem acesso ao mundo cognitivo que existe em cada criança e sem possibilidade de ajudá- las.
Acreditamos que os dados aqui coletados possam contribuir para que o professor agregue as estratégias metacognitivas a suas ações em sala de aula. Ele não precisa esperar que seus alunos compreendam os propósitos da tarefa fazendo exercícios metacognitivos; deve apenas, de forma mais simples, explicitar o que pretende. Por exemplo, no início de cada atividade, o professor poderá apresentar um quadro ou esquema sobre os propósitos de sua matéria e informar aos alunos sobre sua maneira de trabalhar, ou seja, explicitar seu estilo de ensinar, de modo que eles não se percam ou sintam-se desorientados. Ao mesmo tempo, é importante que o professor conheça os estilos de aprendizagem de seus alunos e as estratégias que utilizam, a fim de que possa realizar as intervenções necessárias em favor de um aprender efetivo.
Para que o trabalho coletivo seja contemplado e o professor tenha oportunidade de perceber as estratégias utilizadas pelo aluno, a intervenção docente é fundamental, principalmente por ser a referência necessária para auxiliar no planejamento, na regulação e na avaliação do processo de aprendizagem das crianças.

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Recebido em: 01.09.2010 Aprovado em: 09.08.2011

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